Este é um tema que ainda é motivo de alarme quando surge sobretudo numa idade em que a alimentação tem um papel importantíssimo no desenvolvimento/crescimento da criança. Nesta publicação irá ficar a saber mais sobre a alimentação vegetariana, os seus benefícios e seus riscos assim como cuidados a ter para os minimizar.
Atualmente o vegetarianismo inclui vários subgrupos, alguns mais restritivos do que outros.
Semivegetariana (ou flexitariana) – dieta omnívora, com uma ingestão limitada de carne e de peixe. Inclui subcategorias de dietas como a “pesco vegetariana” (consumo de peixe) e “pollo-vegetariana” (consumo de carne de aves). Na semivegetariana também se pode incluir a dieta macrobiótica.
Ovolactovegetariana – a fonte de proteína animal é o ovo, leite e derivados, tendo como subtipos: dieta ovovegetariana (permite o consumo de ovos) e a lactovegetariana (consumo de produtos lácteos).
Vegetariana estrita – não inclui quaisquer fontes de proteína animal. Muito frequentemente é denominada por dieta vegana/vegan; contudo ser vegan é mais do que uma opção alimentar, é também um estilo de vida, onde rejeitam qualquer tipo de alimento de origem animal, mas também qualquer produto que exija o sacrifício, em maior ou menor grau de um animal (mel, couro, lã, seda).
A alimentação vegetariana é adequada para garantir um crescimento e desenvolvimento saudáveis das crianças?
Sociedades científicas como a Academy of Nutrition and Dietetics, a Canadian Pediatric Society e a American Academy of Pediatrics referem que “as dietas vegetarianas incluindo as vegetarianas estritas, quando bem planeadas, permitem um crescimento e desenvolvimento normais em crianças e adolescentes”. Ou seja, é possível as crianças seguirem este tipo de alimentação e se desenvolverem normalmente, desde que a alimentação seja corretamente planeada e para isso é necessária uma monitorização dos hábitos alimentares específica e frequente de forma a permitir avaliar quais os nutrientes que poderão estar em risco de défice.
Quais são os benefícios e os riscos de seguir este tipo de alimentação?
São imensos os estudos que revelam benefícios na alimentação vegetariana como diminuição da prevalência de cancro, obesidade, doença cardiovascular, dislipidemia, hipertensão, diabetes estando assim consequentemente associada ao aumento da longevidade. O seguir simplesmente uma alimentação vegetariana não implica, à partida, mais saúde. É necessário realmente a adoção de um estilo de vida saudável, tal como na dieta não vegetariana. Porque se se associar a este padrão um consumo excessivo de sal, gordura e/ou açúcar, através de produtos processados, poderá surgir excesso de peso e complicações metabólicas, e será certamente mais difícil obtermos os benefícios que os estudos nos dizem.
Se a alimentação vegetariana não for bem planeada pode ocorrer uma ingestão insuficiente de múltiplos nutrientes como a proteína, lípidos/gordura, ferro, vitamina B12, zinco, cálcio, vitamina D, iodo e ómega 3. Carências de alguns destes nutrientes são particularmente impactantes no desenvolvimento de bebés/crianças podendo prejudicar o desenvolvimento do sistema nervoso central e influenciar negativamente o crescimento, mais especificamente, a estatura e/ou do peso das crianças.
A avaliação por um nutricionista é imprescindível!
É necessário a realização de uma história alimentar detalhada para apurar os nutrientes que poderão estar em défice. Só um nutricionista, com conhecimento e experiência na área, poderá realizar uma avaliação completa da ingestão alimentar/nutricional e perceber se há ou não necessidade de ingestão de alimentos fortificados e/ou necessidade de suplementação vitamínica ou mineral, para assim conseguir uma dieta vegetariana bem planeada de forma a não afetar o crescimento da criança. Paralelamente à avaliação alimentar, a monitorização do crescimento é um indicador importantíssimo para avaliar se a criança/adolescente está a ingerir calorias suficientes para as suas necessidades energéticas.
Quais são os cuidados específicos que se deve ter para assegurar uma alimentação vegetariana correta?
No caso dos vegetarianos estritos, combinar duas ou mais fontes de proteína vegetal (por essas fontes apresentarem um ou mais aminoácidos essenciais em doses limitantes) permitindo assim que o corpo combine os aminoácidos provenientes de diferentes fontes para produzir proteínas completas.
Privilegiar o consumo de gorduras monoinsaturadas (p.ex. azeite) e polinsaturadas (p.ex. frutos secos oleaginosos e nas sementes), aumentando o seu consumo quanto maior a restrição de proteína animal, e evitar o consumo de gorduras hidrogenadas e trans presentes nos alimentos processados. Garantir a ingestão de ácidos gordos essenciais, como o ómega-3, através da ingestão de algas/microalgas, nozes, pinhões, sementes e óleos de linhaça, chia e cânhamo.
Assegurar uma correta ingestão de vitamina B12, sobretudo nos vegetarianos estritos, por exemplo recorrendo à levedura nutricional enriquecida em vitamina B12 e/ou incluir na alimentação outros alimentos fortificados como o tofu, seitan, bebidas vegetais e cereais de pequeno-almoço.
Garantir uma ingestão adequada e otimizada das fontes de ferro não heme cuja absorção está comprometida (devido à presença de cálcio, fitato, polifenóis, entre outros). É necessário combinar estas refeições, compostas por proteína exclusivamente vegetal, com fontes de vitamina C, aumentando assim a sua absorção.
Aumentar a biodisponibilidade (capacidade de absorção pelo nosso organismo) do cálcio (presente nos hortícolas de folha verde escura, leguminosas...), demolhando, cozendo bem alimentos e rejeitar a água, água esta que retém componentes que diminuem a biodisponibilidade do cálcio. A combinação com alimentos fontes de vitamina D e vitamina C potenciam a absorção do cálcio.
A vitamina D está naturalmente presente em alimentos na sua maioria de origem animal, excetuando os cogumelos – cuja quantidade necessária para obter doses recomendadas é quase impraticável – por isso a melhor forma de obter esta vitamina é realizando uma exposição solar adequada e procurar produtos fortificados como as bebidas vegetais, cereais e margarina.
O iodo é um micronutriente que pode estar em défice. Poder-se-á conseguir este nutriente através de plantas, contudo a concentração de iodo varia de solo para solo, estando habitualmente mais concentrado em locais junto à costa maritima. No caso dos vegetarianos, ingerindo lacticinios diariamente conseguirão mais facilmente um aporte de iodo recomendado, no caso de vegetarianos estritos, será recomendado a utilização de sal iodado na confeçao dos alimentos e/ou consumir 2-3x/semana algas.
Em adolescentes vegetarianos estritos, o consumo de alimentos fortificados em zinco poderá estar recomendado. A absorção de zinco pode estar comprometida devido à presença concomitante de fitato no alimento, sendo necessário demolhar e cozer bem. No padrão ovolactovegetariano, os ovos e laticínios são fontes deste mineral e no padrão vegetariano estrito podem recorrer ao pão, cereais, leguminosas, frutos gordos e sementes.
E quando se inicia a alimentação complementar à amamentação? O que é recomendado dar em substituição das típicas fontes de proteína animal?
O tofu deve ser a fonte de proteína primeiramente introduzida, iniciando com ~20g e progredir para 80g (quantidade que equivale ao nível proteico a 10g e 30g de carne, respetivamente) até aos 12 meses. Segundo a European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (ESPGHAN), o tempeh e o seitan, podem ser introduzidos aos 11-12 meses. Em alternativa ao iogurte tradicional, deve-se optar por um iogurte de soja (yofu), natural sem açucares. Pode-se introduzir mais precocemente o grupo das leguminosas, tendo sempre o cuidado de demolhar, cozer bem e retirar a casca inicialmente para uma melhorar tolerância gastrointestinal. Outra opção poderá ser a proteína vegetal em pó (arroz, cânhamo, ervilha...). Estes últimos produtos podem ser introduzidos por volta dos 8 meses.
Existem benefícios em seguir uma alimentação vegetariana?
Segundo a Academia de Nutrição e Dietética uma dieta vegetariana, incluindo a dieta vegetariana estrita, é saudável, nutricionalmente adequada e providencia benefícios para a saúde nomeadamente na prevenção e tratamento de doenças.
Alguns dos benefícios que vários autores afirmam são os seguintes...
Maior facilidade em manter um peso saudável
Redução do risco de morte por cardiopatias
Diminuição da incidência e severidade de condições de alto risco para a saúde como a obesidade, hipertensão, hiperlipidemia e hiperglicemia
Redução do risco de surgimento da maior parte das doenças crónicas, assim como acaba por reduzir a necessidade de medicação.
Estudos mais recentes avançam que com este tipo de alimentação é possível reverter patologias como a doença arterial coronária avançada e a diabetes mellitus tipo 2.
“Uma dieta vegetariana, se mal planeada, pode ser tão perniciosa como uma dieta não vegetariana desequilibrada.” - Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável - Alimentação Vegetariana em Idade Escolar, 2016. (Documento da Direção Geral da Saúde)
Como conclusão deixo duas mensagens chave a reter para garantir uma alimentação vegetariana saudável:
É possível fazer uma alimentação vegetariana saudável, ou seja completa, variada e equilibrada, desde que bem planeada!
É imprescindível uma monitorização antropométrica, alimentar e analítica frequente para identificação de possíveis défices nutricionais
É aconselhado um acompanhamento e monitorização frequentes tanto pelo nutricionista como pelo médico até que o vegetariano se sinta verdadeiramente autónomo para fazer uma boa gestão alimentar garantindo um aporte energético e nutricional adequado às suas necessidades.
Autora: Ana Rita Almeida
Nutricionista S. Pediatria ULSAM| CP 1953N
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