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Como lidar com a criança que pede insistentemente por comida e chora por mais/faz birra?
Na idade pré-escolar e escolar
Quem manda lá em casa tem de ser a mãe e o pai. Responsabilização, limites e regras têm de estar bem definidos nestas idades.
Até aos 10 anos da idade, a responsabilidade é 100% dos pais, porque são eles que levam a comida para casa, que enchem o frigorífico e a dispensa.
Se a criança não tiver ao seu alcance o sumo e a bolacha, não vai comer nem vai ter a tentação de o fazer. Se a travessa não for para a mesa, não há o hábito de repetir o prato. Mais uma vez, temos de atuar na prevenção destes comportamentos e evitar que eles surjam de início. Se aparecerem, devemos manter os limites bem definidos e não ceder. As crianças nestas idades seguem essencialmente o exemplo dos pais – se o pai e a mãe seguirem uma alimentação saudável, não beberem sumo à refeição, comerem fruta à sobremesa e legumes no prato, a criança também o vai fazer.
É importante o exemplo – é muito difícil dizer a uma criança para não beber sumo ao jantar, quando o pai ou o irmão estão a fazê-lo ao lado.
Na adolescência
Quando estamos a falar com adolescentes, já é mais complicado, porque eles já têm muita autonomia, já compram o que querem, já são independentes em casa, não ouvem tanto as regras dos pais. No entanto, nenhum adolescente gosta de ser obeso; o adolescente não gosta da sua imagem corporal e conhece as suas limitações físicas; todos sentem dificuldade em ultrapassar esta fase complicada.
Como os resultados não são imediatos, continuam com os mesmos comportamentos e sentem-se impotentes. Nós que estamos a abordar a questão, não ganhamos nada em culpabilizá-lo ou julgá-lo. Deve-se tentar perceber quais as suas preocupações, como é que ele se sente e de que forma é que acha que podemos ajudar.
Deve ser explicado que a obesidade é doença e que não há medicação para tratá-la, como há para a asma ou diabetes. Tem de ser a nossa força, a nossa vontade e esforço que irá curar esta doença – e que é preciso tempo e persistência. Os resultados não virão num mês ou dois, mas provavelmente em 6 meses ou um ano já vai notar diferença no tamanho das roupas ou na resistência física.
Pais Divorciados
As regras e rotinas das crianças com pais divorciados ficam em falta e são frequentemente diferentes, ora estejam na casa do pai ou da mãe. São ambientes familiares com comportamentos e hábitos que diferem uns dos outros e muitas vezes há a tentação de “compensar” a ausência com alimentos. O ideal é que o momento das refeições seja o mais uniforme possível, que pai e mãe estejam sintonizados nas regras e limites que impõem e o tipo de alimentos que oferecem, não querendo que haja o “pai bom” que dá o chocolate e a “mãe má” que só dá alface.
Comportamentos de risco
Compulsividade alimentar
Petiscar às escondidas
Ânsia de comer
Por vezes, estas situações são difíceis de resolver e precisam de apoio de psicologia para arranjar estratégias que possam aliviar estes comportamentos.
E a casa dos avós, que é só mimo?
Mais uma vez, a responsabilidade é do pai e da mãe. Vão ter de transmitir aos avós as regras que há em casa e que devem ser mantidas na sua ausência. Explicar que o mimo pode passar por atividades que não incluem comer – brincar, passear ao parque, fazer um jogo, jogar à bola, acarinhar, fazer companhia, ajudar nas tarefas domésticas. Muitas são as crianças que passam os dias com os avós, ou é para casa deles que vão no final da escola enquanto esperam que os pais regressem do trabalho.
Portanto, avós cuidado com:
Os 2 ou 3 pães ao lanche com manteiga, marmelada, doce ou enchidos
O chocolate ou a bolachinha recheada na mesa de centro
O bolo fresquinho na cozinha
O leite com chocolate e uma colher de açúcar
O rissol ou a bola de queijo
…
Não esquecer que o futuro destas crianças está em risco e os avós têm um impacto muito importante no desenvolvimento e crescimento delas. O menino ou menina não está magrinho e não estão a precisar de mais comida se estiver a crescer bem, com energia e com rendimento na escola. O que eles precisam é de atenção, de brincar e de alimentar o seu corpo com nutrientes, vitaminas e muita água.
Quando está instalada, como é que se trata a obesidade?
A obesidade infantil não deve ser tema tabu e deve ser conversada nas consultas médicas e também por familiares ou amigos que queiram ajudar. No entanto, sabemos que é um tema sensível e deve ser abordada de uma forma subtil, mas clara e eficaz.
Apoiar sem julgar
Incentivar sem exigir
Motivar sem inferiorizar
Para tratar a obesidade é preciso o apoio de uma equipa multidisciplinar que inclui a mãe e o pai. O pediatria ou médico assistente vai precisar de:
Pais: motivação, confiança, entrega e compromisso
Nutrição: elaboração de um plano alimentar personalizado, tendo em conta as necessidades e gastos energéticos daquela criança
Psicologia: gerir comportamentos de risco, apenas quando necessário
Alimentação
O tratamento passa essencialmente por equilibrar a quantidade de calorias ingeridas e as que são gastas. Ou seja, temos de identificar os possíveis erros alimentares que existem e corrigi-los:
Bebe sumo a todas as refeições? Vamos retirar e só permitir a água (pode juntar sumo de limão ou rodelas de laranja, sem adição de açúcar)
Come 4 pães por dia? Vamos reduzir para 2, do tamanho da palma da mão, idealmente de centeio ou de sementes (evitar pão de forma) ao pequeno-almoço e ao lanche
Come bolachas de chocolate em todos os lanches (oreo, tosta rica, …)? Vamos substituir pelo pão, fruta e iogurte ou pelo queijo
Aprender a ler rótulos e olhar para as quantidades de açúcares e gorduras saturadas presentes nos alimentos – por exemplo, os iogurtes não devem ter mais de 5-7g de açúcar por 100g de produto
As alterações inicialmente feitas na alimentação devem ter em consideração a dieta habitual desta criança e nunca devem ser feitas de forma restritiva, absoluta e imediata – porque não vai resultar. A remoção deve ser feita de forma gradual, através de jogos e objetivos semanais ou mensais, com acordo entre o pai/mãe, a criança e o médico assistente. Quando um objetivo é conseguido, introduz-se um novo, até à eliminação completa dos alimentos considerados “proibidos” à criança numa base diária. Podemos eventualmente permitir a “refeição da asneira” com um copo de sumo, um chocolate, gelado ou pacote de bolachas a gosto uma vez por semana, de forma controlada e acordada com a criança e pais.
Atividade física
A atividade física também entra no tratamento da obesidade, por razões óbvias. Se ela aparece por um desequilíbrio entre aquilo que comemos e o que gastamos, além de consumir menos, temos de gastar mais.
A atividade física deve estar presente todos os dias (andar de bicicleta, correr, jogar à bola, brincar, ajudar os pais nas tarefas domésticas, levar o lixo, passear o cão,…)
Praticar desporto pelo menos 3x/semana (natação, dança, futebol, basket, judo,..)
Esta atividade não pode ser ignorada e deve ser estruturado um plano personalizado para cada criança de acordo com o que ela mais gosta. Deve ser incentivada a atividade física em família, para que este seja um momento de união e lazer. Devem ser aproveitadas as preferências de cada criança, para que essa atividade seja prazerosa e não uma obrigação – no entanto, em pequenos, vão muitas vezes ter de experimentar mais do que um ou dois desportos até descobrirem aquele que realmente gostam.
Ecrãs
O tempo de sofá e ecrãs de televisão, tablet e telemóvel não deve ser maior que 2h por dia.
Às vezes os pais desistem porque não vêm resultados imediatos. Quanto tempo leva uma criança a perder peso?
Tudo depende da dedicação que os pais e a própria criança têm perante o problema. Se efetivamente estão a fazer um esforço e se mudam hábitos. A verdade é que este é um processo moroso – demora até anos para vermos resultados satisfatórios aos olhos dos pais e familiares.
A perda de peso na criança e adolescente não é igual à do adulto, em que se pode retirar grupos inteiros de alimentos e ver uma redução drástica de peso em um mês, por exemplo. Nestas idades, isso não é possível porque a criança está a crescer e a desenvolver as suas capacidades físicas e intelectuais, e precisa de energia e de todos os nutrientes para que isto ocorra sem limitações. É um processo difícil, com altos e baixos (por exemplo, no período das férias sabemos que o peso vai aumentar; no período escolar talvez consigamos reduzir pela existência de mais regras e rotina). Requer muita paciência e determinação por parte do profissional de saúde e das famílias.
O importante é perceber logo de início o que está em jogo e manter as expetativas reais.
Os profissionais de saúde têm de ser o apoio da criança e família e não mais uma barreira que tenham de ultrapassar.
Devem insistir na mudança de hábitos, motivar e ajudar na procura de soluções práticas e adequadas a cada família, de forma personalizada.
10 dicas finais
Os pais são os responsáveis e mandam em casa - incentivar a mudanças de hábitos de toda a família
Atenção avós: cuidado com os mimos e a comida – o neto não está magrinho de mais
Alimentos proibidos em casa: sumos, bolachas de chocolate, cereais, batata frita, molhos, enchidos, chocolates
Atenção às quantidades: ¼ do prato de hidratos, ¼ de prato com carne/peixe/ovo e o resto com legumes. Evitar levar travessas para a mesa para não repetir.
Mastigar 10-15 vezes o mesmo alimento, comer devagar!
Refeições em família com horários – equilibrada e saudável para todos, com sopa de primeiro prato (sem batata), fruta de sobremesa e água a acompanhar
Praticar atividade física diariamente – estruturada ou não; incentivar a ser ativo em casa - bicicleta, jogar à bola, brincar ativamente, ajudar nas tarefas domésticas
Tentar descobrir a atividade/desporto que a criança gosta mais de fazer e acompanhá-lo nessas atividades para que seja um momento de união e lazer
Fazer pelo menos 5 refeições por dia (pequeno-almoço, meio da manhã, almoço, lanche, jantar). Evitar snacks ao chegar da escola e antes de deitar
Não culpar a criança; em vez disso, entrar num espírito de companheirismo e entreajuda
Autores: Carolina Germana Silva, Mariana Bastos Gomes, Ana Catarina Carneiro
Serviço de Pediatria ULSAM
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